Durante muitos anos, o mercado de usados automóveis foi considerado o “patinho feio” do setor automóvel. Este segmento era marcado pela falta de transparência e pela desconfiança tanto dos consumidores como dos próprios profissionais do ramo. A atividade era predominantemente local, com fraca profissionalização e dominada por pequenos operadores regionais.
A imagem do mercado de usados era a de um espaço improvisado, onde as regras eram pouco claras e a linha entre um bom negócio e uma frustração era ténue. Essa percepção persistiu durante anos, fazendo com que o mercado fosse visto como periférico e gerador de mais cautela do que confiança.
No entanto, a chegada da Internet e a digitalização do setor provocaram uma transformação profunda e irreversível. O mercado de usados deixou de ser fragmentado, passando a operar como uma rede interligada a nível nacional e, em muitos casos, internacional. Agora, um cliente em Faro pode comprar a um operador em Braga, e um comerciante de Leiria tem uma montra visível 24 horas por dia, acessível a milhões de potenciais compradores.
Alguns operadores anteciparam-se a esta revolução digital e tornaram-se verdadeiros casos de sucesso. O comércio de usados é agora profissional, transparente e competitivo. Mais importante ainda, tornou-se um negócio desejado, com uma rentabilidade média superior à das viaturas novas. Nos últimos anos, o mercado de usados tem demonstrado um volume de transações substancialmente maior do que o de novos.
Face a esta evolução, marcas, importadores e grupos de retalho, que antes viam os usados como um “mal necessário”, mudaram radicalmente a sua abordagem. Investiram em programas próprios, criaram processos estruturados e desenvolveram canais dedicados. O segmento de usados deixou de ser um apêndice menor para se tornar uma aposta estratégica central.
Adicionalmente, o contexto atual, marcado pela pressão da transição energética e pela ambição europeia de eletrificar o parque automóvel até 2035, está a criar um desfasamento crescente entre a oferta e a procura de viaturas novas. O consumidor médio, especialmente em países como Portugal, ainda não está preparado para a adesão em massa à mobilidade elétrica. Os preços elevados, as dúvidas sobre a autonomia, a durabilidade das baterias, a escassez de carregadores e as exigências logísticas são barreiras reais.
Como resultado, muitos consumidores que anteriormente compravam veículos novos estão agora a voltar-se para o mercado de usados, à procura de soluções mais adequadas à sua realidade. Em 2024, menos de 10% das viaturas novas vendidas em Portugal eram diesel, enquanto cerca de 50% dos aproximadamente 120 mil usados importados tinham essa motorização. O mercado de usados está, assim, a desempenhar um papel fundamental ao garantir o acesso à mobilidade a uma parte significativa da população que não encontra nos novos o que precisa, tanto em termos de preço como de motorização.
O que foi durante muito tempo um setor marginal é agora central. O “patinho feio” de ontem é, sem dúvida, o cisne robusto que hoje voa alto sobre o setor automóvel. Leia também: A evolução do financiamento automóvel em Portugal.
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Fonte: Sapo