Há três décadas, Srebrenica tornou-se um marco trágico na história da Europa, sendo o primeiro genocídio reconhecido legalmente por um tribunal internacional desde a Segunda Guerra Mundial. Este evento não é apenas uma recordação do passado, mas um alerta sobre a necessidade de proteger os direitos humanos em situações de conflito. O nome Srebrenica simboliza a falha das instituições internacionais em prevenir atrocidades e a importância de não desviar o olhar diante das crises atuais.
Recentemente, regressei à universidade para realizar um mestrado em Ação Humanitária no ISCTE-IUL, em Lisboa. Nas aulas de Direitos Humanos, sob a orientação da diplomata Patrícia Galvão Teles, percebi como os princípios que regem a proteção dos direitos humanos são fundamentais para entender as tragédias contemporâneas. Quando discutimos o termo “genocídio” em relação a Gaza ou a guerra na Ucrânia, os ecos de Srebrenica tornam-se inegáveis.
O massacre de Srebrenica não foi um ato de violência aleatória, mas um plano meticulosamente orquestrado. A desumanização de uma população inteira e a preparação de esquadrões de morte são exemplos de como o genocídio pode ser um projeto estatal. O Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia confirmou esta realidade, mostrando que a violência não surge do nada, mas é frequentemente o resultado de uma estratégia deliberada.
Srebrenica ensina que a diversidade étnica pode ser uma arma. Antes do conflito, a Bósnia era um exemplo de convivência pacífica entre muçulmanos, judeus e cristãos. No entanto, líderes políticos transformaram essa coexistência em medo e desconfiança, levando à limpeza étnica. A proposta de paz de José Cutileiro, que incluía mapas étnicos, acabou por acentuar a fragilidade da convivência multiétnica, resultando em divisões que ainda persistem.
Hoje, a Ucrânia enfrenta perigos semelhantes, onde as negociações e propostas territoriais podem perpetuar divisões em vez de promover a reconciliação. O bloqueio de Gaza, onde alimentos e medicamentos são usados como armas, exemplifica como a violência estatal pode ser disfarçada sob a autoridade governamental. A incapacidade da comunidade internacional em condenar tais atos permite que a impunidade prevaleça, minando a credibilidade das estruturas humanitárias.
As lições de Srebrenica são urgentes. A proteção dos civis e a intervenção decisiva são obrigações que a Europa deve assumir. A tentação de tratar todas as partes como moralmente equivalentes é perigosa e pode levar a mais atrocidades. O sofrimento em Gaza e na Ucrânia não pode ser reduzido a números; são vidas reais em risco.
A memória de Srebrenica deve servir como um guia para a ação presente. A coexistência multiétnica é um valor a ser defendido, e a impunidade deve ser combatida. O direito internacional precisa ser fortalecido para enfrentar as táticas modernas de terror. A fome não é um dano colateral, mas uma arma deliberada.
A Europa deve agir como um garante das regras que ajudou a moldar, defendendo os direitos humanos e responsabilizando os culpados. Os ecos de Srebrenica exigem que não apenas recordemos o passado, mas que também nos mobilizemos para evitar que a história se repita. A humanidade multiétnica é um tesouro a proteger, e não um problema a gerir.
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Fonte: Sapo