A democracia depende da palavra e do voto, mas, atualmente, a confiança na verdade parece estar em declínio. A relação grosseira com a verdade, que se tem intensificado nos últimos anos, compromete a esfera pública e a própria essência da democracia. O ambiente democrático, tal como o clima, está a ser afetado por uma série de fatores que exigem uma reflexão profunda.
Desde há décadas, especialistas têm alertado para o desmoronamento das bases discursivas que sustentam a democracia. A esfera pública, antes elitista, enfrenta agora um novo desafio: a invasão das redes sociais. Estas plataformas, com a sua lógica de voracidade e pós-verdade, transformaram o espaço público num terreno fértil para a desinformação. A relação grosseira com a verdade, promovida por figuras como André Ventura e o seu partido Chega, intensifica essa crise. Ventura, ao focar-se na podridão do regime, acaba por escorregar para uma retórica que desrespeita a verdade e as instituições.
A grosseria que caracteriza o discurso de Ventura não se limita apenas à política; reflete uma falta de respeito nas relações interpessoais que se observa em diversos contextos, desde a televisão até os cafés. O populismo, ao deslegitimar as instituições, mina a confiança dos cidadãos na democracia. A relação grosseira com a verdade e com os outros é uma ameaça à coesão social e à estabilidade política.
Recentemente, Ventura elogiou atos de violência contra imigrantes em Espanha, o que revela uma normalização de comportamentos que deveriam ser inaceitáveis. Esta grosseria não só desrespeita a verdade, mas também as pessoas e as relações diplomáticas. A democracia não pode sobreviver à banalização de tais atitudes, e o discurso de Ventura não deve ser normalizado.
A discussão sobre a legitimidade do politicamente incorreto tem raízes nesta libertação das relações grosseiras, que relativizam os meios em nome dos fins. A liberdade de expressão não deve ser um pretexto para faltar à verdade ou intimidar. A sociedade precisa de um debate saudável, que promova a verdade e o respeito mútuo.
Com as sondagens a favorecer Ventura, a possibilidade de uma candidatura presidencial torna-se real. Se avançar, poderá tentar mudar a Constituição e o regime, promovendo um sistema presidencialista que se baseia na ideia de liderança carismática. Para isso, ele precisa que os portugueses vejam a podridão do regime em cada esquina, desviando a atenção do que realmente importa.
É preocupante que os partidos que defendem os valores constitucionais não consigam unir-se em torno de um candidato comum. A falta de concertação entre partidos e sociedade civil para defender a democracia é alarmante. O programa não precisa ser divisivo; deve centrar-se na promoção de uma relação respeitosa com a verdade e com os cidadãos.
A relação grosseira que se impõe na política não deve ser aceitável em nenhum outro espaço da nossa vida. É fundamental que a sociedade se mobilize para honrar a promessa de uma relação delicada e firme com a verdade. O futuro da democracia depende disso.
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Fonte: Sapo