Portugal enfrenta atualmente duas crises significativas que ameaçam a coesão social: a crise da habitação e a dificuldade de acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Ambas as situações têm uma origem comum: um desfasamento acentuado entre a procura e a oferta. Enquanto a procura por habitação e cuidados de saúde aumenta, a oferta não consegue acompanhar este crescimento.
No sector da saúde, o Governo tem concentrado recursos para manter os serviços em funcionamento, mesmo que isso signifique menos unidades e longas deslocações para os utentes. No entanto, no que diz respeito à crise da habitação, não existem soluções temporárias que possam aliviar a pressão.
Os dados são preocupantes. O índice de preços da habitação subiu 17,2% no segundo trimestre de 2023 em comparação com o ano anterior, um aumento que continua a ultrapassar os rendimentos das famílias. A situação está a tornar-se insustentável, e o reconhecimento da complexidade da solução levou o Governo a apresentar, nas últimas semanas, um segundo pacote de medidas para a habitação em apenas dois anos.
O primeiro pacote focou-se em incentivar a procura, especialmente entre os jovens, através de isenções fiscais e garantias públicas. Contudo, pouco foi feito para aumentar a oferta. O novo pacote inclui uma medida para controlar a procura: o agravamento do Imposto Municipal sobre Transmissões (IMT) para a compra de imóveis por não residentes, com exceção dos emigrantes. Embora o impacto deste grupo seja reduzido, a medida visa arrefecer um mercado já aquecido.
A verdadeira aposta do Governo é o incentivo à oferta, tanto pública como privada, através de benefícios fiscais. O ministro das Infraestruturas e Habitação acredita que poderá trazer 45 mil casas para o mercado de arrendamento. Para isso, propõe substituir o conceito de arrendamento acessível por arrendamento moderado, reduzindo o IRS sobre as rendas de 25% para 10%, desde que estas não ultrapassem os 2.300 euros mensais e os contratos tenham uma duração mínima de três anos. Esta alteração visa responder a situações extremas, como uma família com filhos à procura de habitação em Lisboa.
Contudo, esta medida poderá enfrentar forte contestação, especialmente da esquerda, que critica a possibilidade de o Governo estar a oferecer benefícios fiscais aos senhorios. O Programa de Arrendamento Acessível, lançado anteriormente, teve uma adesão muito baixa devido a limites de renda considerados insuficientes para compensar as vantagens fiscais.
Com a nova fasquia, um número elevado de contratos poderá beneficiar das isenções fiscais. Outro incentivo é a isenção de mais-valias para quem reinvestir o valor da venda de um imóvel em arrendamento moderado. No entanto, a falta de confiança no sector, provocada pela instabilidade legislativa, continua a ser um obstáculo para o crescimento do arrendamento em Portugal.
As medidas anunciadas são temporárias, válidas apenas até ao final da legislatura, o que gera incerteza sobre a sua continuidade. O pacote também inclui incentivos à construção, como uma taxa de IVA de 6% para imóveis com um preço máximo de 648 mil euros ou destinados ao arrendamento moderado. No entanto, estas medidas precisam de aprovação parlamentar, onde o Governo não tem maioria.
As crises da habitação e da saúde têm em comum a dificuldade de serem resolvidas rapidamente. A formação de novos médicos e a construção de casas requerem tempo, e o país terá de lidar com estas questões por mais tempo. Quanto mais tarde forem implementadas as soluções necessárias, mais prolongadas serão as crises, o que poderá desviar eleitores dos partidos centristas.
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Fonte: ECO