O mercado de crédito privado tem vindo a crescer de forma silenciosa, longe da atenção que as bolsas de valores atraem. Este segmento, que envolve empréstimos fora dos circuitos tradicionais e sem a supervisão bancária, tornou-se uma peça central no financiamento empresarial, com um valor superior a 1,1 biliões de dólares nos Estados Unidos e quase 2 biliões a nível global, segundo a Goldman Sachs Research. A promessa de rendimentos mais altos para os investidores e condições de financiamento mais flexíveis para as empresas tem atraído cada vez mais participantes. No entanto, essa opacidade também levanta preocupações significativas.
Recentemente, alguns incumprimentos em empresas financiadas por fundos de crédito privado começaram a acender luzes de alerta. A Goldman Sachs minimiza esses casos, considerando-os “idiossincráticos”, ou seja, resultantes de má gestão ou fraudes isoladas, e não de uma deterioração geral do mercado. Apesar de a economia norte-americana continuar a crescer e os spreads de crédito estarem sob controlo, a falta de transparência no crédito privado é um fator de risco que não pode ser ignorado.
Os fundos que dominam este sector operam com estruturas complexas e oferecem pouca informação sobre a qualidade dos ativos. Ao contrário dos mercados obrigacionistas, não existem cotações diárias ou auditorias públicas, o que dificulta a avaliação do risco real. Quando surgem problemas, a resposta é frequentemente tardia. Esta situação recorda a crise de 2008, quando a opacidade dos produtos financeiros foi um dos principais fatores do colapso.
Um exemplo claro desta nova opacidade financeira é o financiamento dos data centers, essenciais para a inteligência artificial. Empresas como a Meta têm utilizado veículos de propósito específico (SPVs) para financiar estas infraestruturas, evitando que o endividamento apareça nos seus balanços. Embora isso reduza a dívida visível, o risco é transferido para investidores menos visíveis, frequentemente através do crédito privado.
Estima-se que o investimento global necessário para expandir a infraestrutura de data centers atinja 2,9 biliões de dólares, com cerca de 800 mil milhões a serem provenientes do crédito privado. Esta dependência de canais financeiros paralelos levanta questões sobre a sustentabilidade e a segurança do financiamento da revolução digital.
Defensores do crédito privado argumentam que ele oferece rendimentos superiores ao crédito público. Contudo, um estudo da Johns Hopkins Carey Business School e da University of California, Irvine, revela que os ganhos são, na maioria das vezes, irrisórios. Além disso, muitos dos valores contabilizados dependem de avaliações que podem não refletir a realidade, uma prática conhecida como “mark-to-myth”.
É crucial estar ciente dos riscos associados ao crédito privado, especialmente se a inflação levar a novas subidas das taxas de juro. Mesmo com uma redução da exposição, os bancos continuam a emprestar aos fundos de crédito privado, criando um ciclo que pode ser tanto virtuoso quanto vicioso.
Se o cenário se deteriorar, a história pode repetir-se: fundos pressionados a vender ativos a preços baixos, escassez de crédito e um impacto nos mercados públicos. Os fantasmas de 2008 podem não ter desaparecido, mas a história parece estar a repetir-se, com uma nova geração de investidores a ignorar os sinais de alerta.
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Fonte: ECO





