O Governo português avançou com uma proposta que altera o modelo de fiscalização financeira prévia do Tribunal de Contas (TC), através da Proposta de Lei n.º 36/XVII/1.ª. Esta alteração, em consulta pública desde 9 de outubro de 2025, isenta de visto prévio os contratos de financiamento destinados à promoção, reabilitação e aquisição de imóveis para habitação acessível ou pública, assim como para alojamento temporário, até 31 de dezembro de 2026.
A medida, que é excecional e transitória, reflete uma clara orientação política: a intenção de transferir o controlo ex ante para uma fiscalização sucessiva. O objetivo declarado é acelerar o investimento público, reduzir a burocracia e evitar atrasos em programas financiados por fundos europeus e nacionais, especialmente numa altura em que a urgência habitacional se faz sentir.
No entanto, a isenção de visto prévio levanta questões jurídicas importantes. O visto prévio não é apenas uma formalidade burocrática, mas sim uma garantia de legalidade e uma condição essencial para a eficácia dos compromissos financeiros públicos. No modelo português, este mecanismo assegura que os compromissos estão em conformidade com a lei antes de gerar qualquer despesa. Por outro lado, a fiscalização sucessiva atua apenas após a produção de efeitos, podendo apenas sancionar e não prevenir, o que torna a substituição de um modelo pelo outro uma questão complexa.
As autarquias locais serão as mais afetadas por esta alteração, uma vez que são os principais promotores de habitação pública e acessível. Com a isenção de visto prévio, empréstimos, garantias e contratos de financiamento deixarão de ser sujeitos à fiscalização prévia do Tribunal de Contas. A curto prazo, isso poderá traduzir-se em maior celeridade e desburocratização. Contudo, a médio prazo, poderá resultar em maior responsabilidade financeira, especialmente se as decisões forem tomadas sem um reforço adequado das estruturas jurídicas e contabilísticas locais.
Os dados do Tribunal de Contas contradizem a ideia de que a morosidade é um problema significativo. Em 2024, o Tribunal analisou 2 580 processos e apenas rejeitou 23, o que representa uma taxa de rejeição de cerca de 0,9%. Assim, o verdadeiro problema pode não estar nas recusas de visto, mas sim na ineficiência dos processos, que se manifesta na duplicação de documentação e na falta de interoperabilidade entre os sistemas de controlo e os sistemas contabilísticos municipais. Esta falta de articulação deveria permitir uma verificação automática da conformidade legal e orçamental antes da execução da despesa.
Acreditamos que o controlo financeiro deve ser uma combinação de garantia e confiança. A discussão em torno da isenção de visto prévio é, em última análise, uma reflexão sobre a arquitetura do regime de responsabilidade pública. Alterar o regime dos vistos sem reformar os processos subjacentes pode ser visto como uma solução superficial que apenas adia o problema.
A simplificação é, sem dúvida, desejável, mas sem uma digitalização eficaz dos processos e uma melhor articulação entre os diferentes operadores, a isenção de visto prévio pode não resultar em mais eficiência na realização da despesa pública. Em vez disso, poderemos enfrentar um cenário de menor controlo, onde a aparente facilidade esconde o risco de responsabilização futura.
Leia também: O impacto da digitalização na gestão pública.
isenção de visto prévio Nota: análise relacionada com isenção de visto prévio.
Leia também: Earnings como indicador económico para o Fed nos EUA
Fonte: ECO





