A política do café da esquina e os desafios da democracia local

Em Portugal, a política de freguesia representa uma dimensão da democracia que muitas vezes passa despercebida nos grandes debates. Estas unidades de poder local são o reflexo da vida quotidiana, onde a interação entre vizinhos se dá nas ruas e praças. Um fenómeno interessante que surge neste contexto é a chamada política do café da esquina.

Quem reside numa vila ou bairro urbano reconhece bem esta realidade. O presidente da junta ou um vogal ativo é frequentemente visto à porta do café, entre o supermercado e a associação local. Esta acessibilidade permite que os cidadãos expressem as suas preocupações de forma informal, bastando um desabafo entre um galão e uma bica curta. Para muitos, esta é uma prova de que a democracia funciona, pois podem comunicar diretamente com quem toma decisões.

Este aspecto humano da política de freguesia é uma das suas maiores virtudes. Numa época em que a abstenção aumenta e a confiança nos partidos diminui, a proximidade dos autarcas locais ainda confere legitimidade à democracia. Os eleitores sentem-se ouvidos e problemas práticos, como buracos nas ruas ou lâmpadas fundidas, podem ser resolvidos rapidamente.

Contudo, esta proximidade também apresenta riscos. A linha entre a política de proximidade e o clientelismo é frequentemente muito ténue. Embora a democracia ganhe em humanidade, pode perder em transparência. O café da esquina pode servir tanto como um espaço de participação cívica como um balcão de favores pessoais.

É sabido que, em muitas freguesias, aqueles que têm acesso direto ao autarca conseguem ver os seus pedidos atendidos com maior celeridade. O eleitor que frequenta o café certo pode ser favorecido em relação a quem se mantém à margem. Esta situação pode dar origem a uma tentação clientelista, onde a proximidade se transforma em moeda de troca política, comprometendo a liberdade do voto.

Leia também  Candidatos do PS garantem defesa da democracia em convenção

Além disso, a política do café traz consigo uma informalidade que pode ser perigosa. As freguesias possuem assembleias eleitas, orçamentos e regulamentos, mas quantas vezes esses mecanismos são ignorados em nome de promessas feitas de forma informal? O poder exercido sem registo ou contraditório pode parecer simpático, mas acaba por corroer a confiança nas instituições.

Ainda assim, não se deve demonizar a proximidade. Portugal precisa de uma política que saia dos gabinetes e se aproxime das pessoas, dos cafés e das ruas. A política nacional tende a ser fria e distante, enquanto os autarcas de freguesia oferecem um modelo de democracia que se baseia na escuta, adaptação e ação rápida. O desafio reside em assegurar que essa proximidade fomente a participação cívica e não a dependência pessoal.

Para isso, é crucial promover a transparência e o escrutínio. O autarca que ouve no café deve ter a obrigação de registar e dar seguimento institucional às preocupações que lhe são apresentadas. Por outro lado, os cidadãos devem perceber que a relação pessoal não é suficiente; é necessário exigir critérios de igualdade e de bem comum. Somente assim, a política de freguesia poderá ser um espaço de democracia vibrante e não um terreno fértil para o clientelismo.

A política de freguesia é um reflexo ampliado do país. Não se trata apenas de resolver questões como a reparação de uma rua ou a limpeza de um jardim, mas sim de como o poder é exercido e legitimado. Se essa proximidade for bem gerida, será uma riqueza; se se transformar em favor, será um risco.

Em última análise, a questão é clara: queremos autarcas que sejam vizinhos acessíveis ou caciques locais disfarçados de amigos? A resposta depende tanto de quem exerce o poder como de quem o fiscaliza. A política do café da esquina pode ser uma das nossas maiores virtudes, mas, se não estivermos atentos, também pode revelar-se uma das nossas maiores fragilidades.

Leia também  Portugal continua entre os países mais pobres da Europa

Leia também: A importância da participação cívica nas freguesias.

política de freguesia Nota: análise relacionada com política de freguesia.

Leia também: Jornal Económico: nova forma de ler a edição digital

Fonte: Sapo

Não percas as principais notícias e dicas de Poupança

Não enviamos spam! Leia a nossa política de privacidade para mais informações.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Back To Top